Aos 94 anos, Buffett anuncia sua saída da Berkshire Hathaway e abre caminho para Greg Abel. Mas o que representa sua aposentadoria para o mercado global e para o capitalismo americano?
Em uma das assembleias mais aguardadas do mundo corporativo, Warren Buffett, o lendário Oráculo de Omaha, anunciou que deixará o comando da Berkshire Hathaway ao final de 2025. O anúncio, feito diante de milhares de acionistas e investidores que lotaram a reunião anual da companhia em Nebraska — o famoso “Super Bowl do Capitalismo” — pegou até Greg Abel, seu sucessor, de surpresa.
Buffett, que completará 95 anos, informou que levará ao conselho sua proposta de transição no próximo domingo. Greg Abel, executivo canadense de 62 anos que já comanda divisões estratégicas da Berkshire, será formalmente indicado como novo CEO.
O fim de uma era — e o começo de outra
Com mais de seis décadas à frente da Berkshire Hathaway, Buffett não apenas construiu um império avaliado em mais de US$ 1 trilhão, mas também formatou a cultura do value investing — um modelo de disciplina, paciência e racionalidade que moldou o capitalismo moderno. Sua saída simboliza o fim de uma era em que a lógica de longo prazo era mais importante que modismos ou volatilidades de mercado.
Ao lado de Charlie Munger, que faleceu em 2023, Buffett influenciou gerações de investidores, empresários e até governos. A pergunta agora é: o que será da Berkshire sem sua figura central? E mais: como Abel lidará com o peso de suceder um mito vivo?
O enigmático caixa de US$ 348 bilhões
A Berkshire chega a esse momento com um caixa inédito de US$ 348 bilhões — o equivalente a 30% de seus ativos. Parte disso vem da redução de participações em gigantes como Apple, que ainda representa 22,2% do portfólio da empresa.
Muitos analistas já especulam: estaria Buffett esperando um crash? Ou estaria preparando munição para Abel? Com sua ironia habitual, Buffett rejeitou a segunda hipótese: “Não sou tão nobre a ponto de deixar de investir só para o Greg ficar bem na foto.” Segundo ele, o caixa reflete apenas a escassez de boas oportunidades no mercado atual, onde os valuations estão esticados e fora da realidade.
Simplicidade e brutal honestidade: o verdadeiro legado
Buffett nunca foi fã de aparências. O site da Berkshire segue espartano. Seus slides continuam em Arial, fundo branco. Sua máxima segue firme: “Never Bet Against America”.
Mas o que realmente o diferencia é sua brutal honestidade. Nas cartas anuais aos acionistas — que viraram leitura obrigatória em MBAs e bancos centrais — Buffett fala abertamente sobre erros. Só entre 2019 e 2023, ele usou os termos “erro” e “equívoco” 16 vezes. Um contraste com a cultura corporativa atual, obcecada por marketing e fotos sorridentes.
Sua filosofia é direta: compre empresas boas, com valor intrínseco elevado, e pague um preço justo. E, claro, tenha paciência. Mesmo com US$ 348 bilhões no caixa rendendo 4,5% ao ano, ele prefere esperar do que arriscar.
Greg Abel: um desafio à altura do legado?
Abel ingressou na Berkshire em 1999 e conquistou a confiança de Buffett comandando a divisão de energia e depois outras áreas críticas. Desde 2021 já era o sucessor oficial, mas a transição era incerta. Agora, com a confirmação, ele herda uma máquina bem azeitada — e o peso de uma cultura que rejeita ruído, hype e pressa.
Mesmo com a solidez do caixa e um portfólio diversificado, o verdadeiro desafio será preservar a cultura. Abel precisará equilibrar tradição e inovação em um mercado cada vez mais dominado por tecnologia, volatilidade e imediatismo.
O caixa: proteção ou sinal de alerta?
O “elefante na sala” — o caixa bilionário — é símbolo de três fatores:
- Escassez de boas oportunidades: Buffett insiste que não há empresas com preços compatíveis com sua filosofia de margem de segurança.
- Vendas líquidas e retração nas recompras: o que mostra mais defesa do que ataque.
- Postura conservadora: Buffett nunca tentou prever crises, mas sempre esteve preparado para elas. O caixa é um escudo e uma carta na manga.
Lições eternas para investidores — e gestores públicos
- Leia balanços: A contabilidade importa. Buffett sempre deu mais peso ao balanço do que à DRE. Lições úteis até para entender bancos centrais e governos endividados.
- Admita erros: Transparência gera credibilidade. A cultura de fingir que tudo vai bem arruína empresas e reputações.
- Invista no longo prazo: Buffett segurou Coca-Cola e Amex por décadas. Comprar e manter ainda é revolucionário.
- Entenda o fluxo do dinheiro: A análise fundamental é mais poderosa que manchetes. Olhar balanços é mais eficaz do que seguir modismos.
Leitura obrigatória para entender Buffett
- Cartas anuais da Berkshire Hathaway: autênticas aulas sobre finanças e governança.
- “Buffett: The Making of an American Capitalist”, de Roger Lowenstein: uma biografia que narra sua formação como investidor com riqueza de detalhes.
Um novo ciclo começa — mas o Oráculo permanece eterno
Buffett deixa a Berkshire, mas sua filosofia seguirá moldando o mercado por décadas. Ele acreditava na América, mas sempre alertou: “papel-moeda perde valor se a bagunça fiscal predominar”. Sua saída ocorre num mundo de juros elevados, déficits crônicos e bolhas disfarçadas de inovação.
Greg Abel terá que provar que não basta comandar uma gigante — é preciso manter sua alma. Buffett deixa mais do que bilhões: deixa um manual de princípios. E como ele dizia: “O tempo é o amigo dos bons negócios e o inimigo dos medíocres.”