Assistimos ontem, dia 07/10/2015, a um episódio histórico em nossa política: Dilma Rousseff tornou-se a primeira Presidente da República a ter suas contas rejeitadas desde Getúlio Vargas, em 1937. Foi, com certeza, a pior derrota do governo sofrida na era petista, pois se deu no âmbito técnico e não no político, como alguns tentaram apontar.
Petistas no geral sofrem de alarmante miopia política, tendo olhos seletivos que só enxergam o partido, eleições e a manutenção de seus mandatos. Contra tudo e contra todos. “Vale fazer o diabo!” Já dizia certa candidata.
O relator do caso, ministro Augusto Nardes, já havia alertado o governo sucessivas vezes acerca de suas manobras temerosas e criatividades contábeis, sobretudo chamadas de Pedaladas Fiscais. Não adiantou. Petistas também têm essa triste convicção de que estão acima do bem e do mal. É a certeza na impunidade e a descrença nas instituições.
As “pedaladas fiscais” consistem no atraso dos repasses para bancos públicos do dinheiro de benefícios sociais e previdenciários. Essa prática obrigou instituições como Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil a usar recursos próprios para honrar os compromissos, numa espécie de “empréstimo” ao governo, o que é vedado pela Constituição Federal e consiste em crime contra a lei de Responsabilidade Fiscal.
A fiscalização do TCU aponta, ao todo, R$ 281 bilhões em “distorções quantificadas”, ativos e passivos (dívidas) não registrados ou registrados incorretamente nos balanços do governo referentes a 2014 e que puderam ser identificados.
Em 2014, ano eleitoral, onde Dilma concorria pela reeleição, como já haviam adiantado, fizeram o diabo e mais um pouco e venceram aquela que hoje pode ser chamada de a eleição mais suja da história, à custa de flagrante estelionato eleitoral, vigorosas pedaladas fiscais e muitas outras manobras que visavam maquiar a verdade catastrófica que envolvia a nação. Venceram, mas o Diabo veio cobrar a conta.
Os 13 pontos questionados pelo TCU
1 – Omissão de dívidas da União com o Banco do Brasil, BNDES e FGTS nas estatísticas da dívida pública de 2014;
2 – Adiantamentos concedidos pela Caixa Econômica Federal à União para despesas dos programas Bolsa Família, Seguro-Desemprego e Abono Salarial nos exercícios de 2013 e 2014. São as “pedaladas fiscais”: a Caixa fez pagamentos de programas sociais e não recebeu, no prazo certo, o repasse do governo, o que configura um empréstimo. Tal operação é proibida pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
3 – Adiantamentos concedidos pelo FGTS à União para despesas do Programa Minha Casa, Minha Vida nos exercícios de 2010 a 2014. Também são “pedaladas”.
4 – Adiantamentos concedidos pelo BNDES à União para despesas do Programa de
Sustentação do Investimento (PSI) nos exercícios de 2010 a 2014. Este é outro exemplo de “pedalada fiscal”. O BNDES, que é um banco público, fez pagamentos para o PSI, que é um programa para estimular a produção, aquisição e exportação de bens de capital e a inovação. E não recebeu repasses do governo no tempo certo.
5 – O governo não especificou, no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2014, quais são as prioridades de gastos da administração pública federal, com as suas respectivas metas.
6 – A União faz o pagamento de dívida contratual junto ao FGTS sem a devida autorização orçamentária no exercício de 2014. Antes de serem feitos, todos os gastos do governo precisam ser aprovados no Congresso.
7 – Estatais gastaram mais do estava previsto no Orçamento de Investimento. Entre elas, estão empresas de energia, a Telebrás; a empresa Transmissora Sul Litorânea de Energia S.A. (TSLE) e a Furnas – Centrais Elétricas S.A. Elas executaram recursos acima do limite autorizado para a fonte de financiamento, seja ela recursos próprios, recursos para aumento do patrimônio líquido e operações de crédito.
8 – Três estatais ultrapassaram o limite global de dotação, ou seja, gastaram demais considerando a soma de todas as fontes de financiamento. São elas: Araucária Nitrogenados S.A., Energética Camaçari Muricy I S.A. (ECM I) e Transmissora Sul Litorânea de Energia S.A. (TSLE);
9 – A União deixou de cortar despesas, conforme previsto no Decreto 8.367/2014. A economia deveria ter sido de pelo menos R$ 28,54 bilhões.
10 – O governo liberou recursos (na execução orçamentária de 2014) para influir na votação do Projeto de Lei PLN 36/2014, que mudou a meta fiscal prevista para o ano passado. Com as contas no vermelho, o governo enviou ao Congresso um projeto de lei para não descumprir uma meta de superávit primário (a economia feita para pagar parte dos juros da dívida pública) – ela passou de R$ 116 bilhões para R$ 10,1 bilhões.
11 – Foi feita uma inscrição irregular em restos a pagar (os valores já empenhados de anos anteriores e que não foram executados) de R$ 1,367 bilhão. O montante é referente a despesas do Programa Minha, Casa Minha Vida no exercício de 2014;
12 – Omissão de pagamentos da União para o Banco do Brasil, o BNDES e o FGTS nas estatísticas dos resultados fiscais de 2014, o que significa que as maquiagens contábeis citadas nos primeiros itens, as “pedaladas fiscais”, foram feitas para melhorar os resultados do superávit primário naquele ano.
13 – Existência de distorções em parte significativa das informações sobre indicadores e metas previstos no Plano Plurianual 2012-2015.
Três patetas X dois tribunais
Luis Inácio Adams, Advogado Geral da União, é das figuras mais nefastas que vagam pela república. Nunca advogou pela União efetivamente, como prevê o cargo. É, na realidade, mais um advogado quase pessoal de Dilma Rousseff. Um cão raivoso que rosna e morde quem quer que se aproxime de sua mestra.
Mesmo depois de todos os alertas preventivos feitos ao governo pelo TCU. Mesmo após meses de diálogo aberto entre TCU e Planalto, o primeiro pedido de esclarecimentos sobre as contas de 2014 foi feito em junho com prazo de 30 dias para resposta. Devido à inclusão de novos fatos ao processo, o governo acabou ganhando mais tempo para se defender.
Encerrados todos os prazos, julgamento marcado e derrota certa, já que o governo sempre esteve ciente de que havia adotado o erro como modus operandi, fomos todos surpreendidos no último domingo (04), com uma infame coletiva de imprensa convocada por três ministros de Estado, a saber: Luis Inácio Adams (AGU), José Eduardo Cardozo (Justiça) e Nelson Barbosa (Planejamento), onde decidiram desqualificar o julgamento, o tribunal e o ministro Augusto Nardes, relator do caso, cuja atuação, colocariam em suspeição perante a corregedoria da casa.
“O governo tem absoluta certeza que não existe motivo para eventual rejeição das contas. Não há razão jurídica”, disse Cardozo. “Consideramos lamentável a postura de setores oposicionistas que querem fazer um julgamento de contas num cenário de disputa política. Não vivemos numa arena romana, fazendo um julgamento com que não seja o que a Constituição determina que é um Estado de direito”, afirmou.
Além de protocolar no próprio TCU um pedido para afastar o ministro Augusto Nardes da relatoria do caso, alegando antecipação de voto, a Advocacia-Geral da União (AGU) fez duas tentativas de adiar o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), mas os pedidos foram negados pelo ministro Luiz Fux, que afirmou em seu despacho: “Sob o prisma lógico ou semântico, manifestar-se sobre o mérito de um processo não implica, necessariamente, interesse no julgamento”.
A solicitação ao TCU foi avaliada nesta quarta-feira (07), antes do julgamento das contas e não foi rejeitada pela corte por unanimidade. O relator da solicitação, ministro Raimundo Carreiro, sustentou que não há procedência nas alegações do governo. Segundo ele, Nardes não antecipou votos, apenas reproduziu avaliações já feitas anteriormente pelo tribunal.
O ministro Raimundo Carreiro disse que Luís Inácio Adams não deve ter lido as mais de 2.000 páginas que enviou ao TCU. Havia reportagens que nada tinham a ver com o caso, fato que foi duramente criticado pelo ministro.
O ministro-corregedor do TCU, Raimundo Carreiro, considerou que as declarações de Nardes se referiam ao conteúdo de relatórios do tribunal já concluídos, e não à decisão final da corte. Por isso, a decisão por arquivar o processo.
Nardes negou que tenha antecipado o voto e acusou o governo de tentar “intimidá-lo”. Ele disse que distribuiu o parecer prévio sobre o caso aos outros ministros cinco dias antes do julgamento, como manda o regimento interno do TCU, e que não foi o responsável por “vazar” o documento para a imprensa.
O ministro André Luiz de Carvalho pediu um aparte para criticar a coletiva convocada no domingo por Luis Inácio Adams, Nelson Barbosa e José Eduardo Cardozo para anunciar as medidas que tomariam contra o TCU.
(…) Devo registrar minha indignação, senhor presidente, pela maneira como isso foi feito. Não me recordo – não vou dizer como servidor público, [mas] como cidadão brasileiro – de jamais ter visto três ministros de Estado comparecerem num domingo a uma coletiva atacando a conduta de nenhum ministro do Supremo, do STJ, juiz do TRE ou mesmo ministro desse TCU. Eu entendo que poderia ter sido arguida a suspeição [relativa ao ministro Augusto Nardes] de modo formal perante esse tribunal, mas essa coletiva, senhor presidente, é, no mínimo, estranha. E nesse sentido, para que os órgãos competentes possam estudar melhor a questão, é bom lembrar que, salvo melhor juízo, se não foi mudado, o artigo 12 do Código de Conduta da alta administração prevê que é vedada à autoridade pública opinar publicamente a respeito da honorabilidade e do desempenho funcional de uma autoridade pública federal. Então, senhor presidente, apenas para registrar, então, a minha indignação e estranheza por três ministros de Estado descumprirem a regra, que acredito que ainda esteja em vigor, prevista no Código de Conduta da alta administração. Só esse registro, senhor presidente. Muito obrigado. (André Luiz de Carvalho)
Reprovação das contas e o que vem depois
Por 8 votos a zero, a unanimidade dos ministros entendeu que o governo cometeu irregularidades na gestão das contas federais, melhorando artificialmente o resultado do Orçamento do ano passado e evitando assim cortes de gastos em ano eleitoral.
No julgamento, o relator do caso, ministro Augusto Nardes, disse que, somadas, as operações irregulares praticadas pelo governo melhoraram artificialmente as contas públicas de 2014 em R$ 106 bilhões. Do total de distorções, R$ 40 bi foram referentes às “pedaladas”. Ele criticou o governo por falta de transparência e disse que suas ações caracterizaram “um cenário de desgovernança fiscal”.
“As contas não estão em condições de serem aprovadas”, recomendou Nardes, o relator que o governo tanto quis afastar do caso. Não conseguiu. O resultado da votação, unânime, mostra que a manobra teria pouco efeito. O ministro repetia durante o julgamento o caráter técnico de seu voto, que se baseou em relatório feito por 14 auditores do TCU.
De forma emblemática e dirigindo uma mensagem direta ao governo, Nardes encerrou dizendo:
“As nações fracassam quando as instituições deixam de cumprir com sua missão. Cumprimos nossa missão de forma técnica, transparente, na busca de um futuro melhor para a nação brasileira”
O parecer do TCU é apenas uma recomendação ao Congresso. São os parlamentares que decidirão em votação no Senado e na Câmara se rejeitam ou não as contas de 2014.
Cabe agora ao Congresso Nacional cumprir com o seu papel constitucional de preservar a ética e a transparência no trato com a coisa pública.
O Congresso Nacional pode deliberar apenas em fevereiro de 2016 sobre o parecer do Tribunal de Contas da União (TCU) rejeitando as contas do governo de 2014. Essa foi a previsão feita por senadores reunidos com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), na noite desta quarta-feira, com base na análise dos prazos previstos para a tramitação na Comissão Mista de Orçamento (CMO).
A presidente da CMO, Rose de Freitas (PMDB-ES), que também se reuniu com Renan, afirmou que o colegiado deve votar o decreto-legislativo – confirmando ou não a recomendação do TCU – até o fim deste ano.
Após o relatório do TCU chegar à comissão, Rose indicará um relator, que terá 40 dias para apresentar parecer preliminar. Depois, abre-se 15 dias de prazo para emendas. Após a deliberação na CMO, o decreto-legislativo precisa ser votado no plenário do Congresso.
“Tendo a entender que a unanimidade do julgamento do TCU construiu um parecer tecnicamente perfeito”, afirmou a pemedebista. Deixou claro, no entanto, que a decisão definitiva sobre as contas do governo será a do Congresso. “O TCU é um órgão auxiliar, mas não significa que o Congresso tem que concordar com ele”, disse.
Possíveis impactos no impeachment da presidente
O advogado-geral da União, Luis Inácio Adams, encerrou sua exposição perante os ministros condenando qualquer tipo de pedido de impeachment que possa ocorrer após a decisão do tribunal: “Eu acredito que o TCU tomará sua decisão. Eu respeito, mas o que não pode é, artificiosamente, tentar transformar isso num movimento de cassação de mandato presidencial”.
Adams sabe que essa decisão não cabe a ele, nem à presidente e nem ao próprio TCU. Essa decisão caberá ao Congresso e o debate está aberto, com um elemento importante que é a comprovação de que houve efetivamente a prática de crime de responsabilidade por parte da presidente. Adams pode e deve se preocupar.
O professor de direito administrativo da PUC-SP Adilson Dallari, no entanto, defende que a rejeição das contas pode derrubar a presidente e sustenta seu argumento no artigo 85 da Constituição Federal, que prevê que “atos que atentem contra a lei orçamentária” são crimes de responsabilidade que podem gerar impeachment.
Ele acredita que Dilma tem responsabilidade direta sobre os atos praticados. “Pela Constituição Federal, o Presidente da República é o chefe de governo. Os ministros são subordinados. Então, a responsabilidade é do chefe. Não tem como escapar disso”, argumenta.
Na sua avaliação, quando um governante do Poder Executivo é reeleito, seu mandato passa a ter oito anos na prática, pois não há interrupção de governo. Para ele, isso permite que juridicamente Dilma sofra um impeachment por atos praticados antes da sua reeleição. O professor considera que se isso não for possível cria-se um incentivo para que se cometam irregularidades no quarto ano de mandato.
“Essa teoria de restringir ao mandato atual é completamente absurda porque ela é um incentivo à corrupção”, afirmou.
Enquanto a presidente, o Partido dos Trabalhadores e o restante da quadrilha brincam de governar o Brasil, ontem, ficou comprovado, que ainda existem instituições sólidas no país e que elas, ao contrário do governo, não estão aí para brincar.
O relator do caso, o ministro Augusto Nardes, saiu sob aplausos. Luis Inácio Adams, Advogado Geral da União, sob vaias. Nem tudo está perdido.