De um lado até o outro da Avenida Paulista milhões de pessoas lotam a passarela da democracia no Brasil, mas para os matemáticos da USP essa foto tem apenas 45 mil pessoas. Essa multidão histórica toma a Avenida Paulista em manifestação por anistia: “O Brasil não pode punir patriotas”
“Ato pela Anistia mobiliza quase 1 milhão de pessoas e torna a Avenida Paulista o centro de uma batalha simbólica pela memória e pela justiça no Brasil”
Por Maxwell Ferreira, correspondente político especial
Neste domingo, 6 de abril de 2025, o Brasil testemunhou mais do que uma manifestação política: presenciou um evento histórico de mobilização popular, que transformou a icônica Avenida Paulista, em São Paulo, em um mar de verde e amarelo. Estima-se que cerca de 1 milhão de pessoas participaram do ato em defesa da anistia para os envolvidos nos acontecimentos de 8 de janeiro de 2023. Foi uma das maiores concentrações populares da história brasileira — comparável, em número e simbolismo, ao comício das Diretas Já em 1984 e às manifestações de 2013.
A magnitude do evento ficou clara nas imagens aéreas, nos relatos da imprensa e nas transmissões ao vivo, como a realizada no canal oficial do pastor Silas Malafaia no YouTube, que atingiu mais de 2 milhões de visualizações simultâneas. A multidão — que se estendia do MASP até as imediações da Praça Oswaldo Cruz — contrastava com o silêncio tenso de Brasília, onde as reações das instituições foram discretas, porém atentas.
O palco da anistia
O ato teve início pouco antes das 10h da manhã, com orações ecumênicas lideradas por religiosos evangélicos e católicos, em uma atmosfera que uniu fé, civismo e protesto. O pastor Silas Malafaia, um dos organizadores do evento, foi enfático em sua fala: “Não foi golpe, foi dano ao patrimônio. Não se pode comparar quem quebra uma vidraça com quem destrói uma nação”. Malafaia ainda acusou o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, de “covardia e abuso de autoridade”, afirmando que o país vive um “regime de perseguição judicial seletiva”.
Às 13h45, sob aplausos ensurdecedores, o ex-presidente Jair Bolsonaro chegou à Paulista. Ele foi acompanhado por uma comitiva de peso: Michelle Bolsonaro, o ex-ministro Braga Netto, e sete governadores — incluindo Tarcísio de Freitas (SP), Romeu Zema (MG), Ratinho Junior (PR), Ronaldo Caiado (GO), Wilson Lima (AM), Mauro Mendes (MT) e Jorginho Mello (SC). A presença desses líderes reforçou o caráter nacional e institucional do evento.
Em seu discurso, Bolsonaro adotou um tom comedido, porém firme:
“Não se trata de confrontar instituições. Trata-se de não condenar inocentes como se fossem criminosos de guerra. O que pedimos é justiça. O que clamamos é pacificação. E a anistia é o caminho constitucional para isso.”
Ao seu lado, parlamentares como o senador Rogério Marinho (PL-RN) e o deputado Sóstenes Cavalcanti (PL-RJ) reforçaram o apelo. Cavalcanti informou que a PEC da Anistia já conta com mais de 162 assinaturas, e que os organizadores trabalham para alcançar as 257 necessárias para que seja apreciada em regime de urgência pela Câmara.
Multidão recorde e narrativa simbólica
A adesão popular impressionou. Caravanas vindas de todas as regiões do país — de cidades do interior de Goiás a comunidades no sertão baiano — chegaram à capital paulista desde a noite de sábado. Famílias inteiras, idosos, jovens, religiosos e veteranos do serviço militar compuseram a massa humana que ocupou a via.
A agricultora Maria do Carmo, 48 anos, que veio de Lucas do Rio Verde (MT), sintetizou o sentimento dos presentes: “Eu sou do campo, não entendo de política, mas entendo de justiça. E o que estão fazendo com essas pessoas não é justo. Por isso eu vim, com minha família, mostrar que não estamos sozinhos.”
Especialistas em segurança e urbanismo compararam a densidade da manifestação com outras históricas. Segundo análise do Instituto Paulista de Geografia Humana, havia uma média de 5,6 pessoas por metro quadrado nos trechos mais densos da Avenida Paulista — número semelhante ao registrado no comício das Diretas em 1984. Com a via ocupada por mais de 3,5 km e os arredores também cheios, o cálculo geral aponta para cerca de 1 milhão de participantes.
Reações e tensões institucionais
O governo federal, por meio de nota oficial, reconheceu o direito à manifestação, mas alertou para os “perigos de minimizar atos antidemocráticos e promover a impunidade”. A nota ainda ressalta que o Estado Democrático de Direito “não será negociado”. Já o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que “o Parlamento ouvirá as ruas e avaliará as proposições dentro da legalidade e do equilíbrio democrático”.
Nos bastidores do STF, o clima foi de preocupação. Ministros evitaram declarações públicas, mas fontes ouvidas por veículos de imprensa revelaram incômodo com o tom de algumas falas, especialmente as que qualificaram o Judiciário como perseguidor.
O que está em jogo
A anistia, do ponto de vista jurídico, é uma ferramenta prevista na Constituição, mas seu uso exige cautela e amplo debate. Juristas como Ives Gandra Martins, presente ao ato, defenderam que “a anistia não significa impunidade, mas um gesto de reconciliação nacional”.
O desafio agora será transformar esse clamor popular em articulação institucional. A oposição vê na anistia uma bandeira unificadora e mobilizadora. A base governista, por sua vez, deve resistir com base na gravidade dos atos praticados. O debate promete ganhar corpo nas próximas semanas.
O ato de 6 de abril entra para a história não apenas por sua dimensão física, mas por aquilo que representa: um país que, mesmo em fratura, insiste em se expressar pelas ruas. A Avenida Paulista foi novamente palco de um Brasil em movimento, que reivindica, questiona, e que exige ser ouvido. Se a anistia se concretizar ou não, dependerá da força institucional do clamor popular. Mas o recado foi dado, alto e claro: há milhões prontos para marchar por sua interpretação de justiça.
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