Com mais de 70% da população brasileira endividada, o problema não é apenas econômico — é civilizatório. Resgatar o Brasil exige enfrentar o modelo que vicia, infantiliza e lucra com a ignorância financeira da maioria.
Vivemos num país em que a dívida virou norma. Endividar-se é quase um rito de passagem no Brasil moderno. Os números são claros: sete em cada dez brasileiros têm algum tipo de dívida ativa. Mas os números, por si só, não contam tudo. Por trás dessa massa de inadimplência, existe um projeto. Sim, um projeto — e ele é perverso.
O Brasil institucionalizou o crédito como substituto da renda. E o pior: com a bênção do Estado, o aplauso dos bancos e a alienação de parte da sociedade, criou-se uma cultura onde o parcelamento substitui o planejamento, e a ilusão de poder de compra encobre a perda real de autonomia.
Não é só dívida. É dependência estrutural.
O sistema financeiro se alimenta da ignorância. E o sistema educacional, que poderia ser o antídoto, é deliberadamente mantido em níveis medíocres. O brasileiro médio não é apenas mal remunerado — ele é mal instruído. O ciclo se retroalimenta: baixa renda, baixa educação financeira, endividamento crônico. E ninguém, absolutamente ninguém no topo do sistema, tem interesse em mudar isso.
Enquanto o crédito fácil é vendido como inclusão, ele funciona como algema. A dívida virou política pública camuflada — estimula-se o consumo como forma de manter o PIB respirando artificialmente. Pouco importa que o preço disso seja a saúde mental, a estabilidade familiar e a independência do cidadão.
A falácia do crescimento via crédito
É preciso ter coragem para dizer o óbvio: um país que cresce baseado em crédito pessoal, consignado e rotativo de cartão não está crescendo — está afundando em silêncio. O crescimento real deveria vir de produtividade, inovação, renda estável. O que temos é dependência de programas de renegociação, rolagem de dívidas e paliativos eleitoreiros que apenas mascaram a falência.
O Brasil virou refém de um modelo que estimula o endividamento e criminaliza a poupança. O juro real é obsceno, os spreads bancários são pornográficos e a concentração bancária é um escândalo com endereço fixo. E nada muda. Porque, para muita gente, o caos é rentável.
Como resgatar o Brasil? Começa pela verdade.
Assinar no LinkedInNão se combate o endividamento apenas com educação financeira no YouTube ou com planilhas de gastos em aplicativos de celular. Isso é paliativo. A mudança exige medidas impopulares: reforma do sistema de crédito, incentivo à poupança real, proteção ao consumidor bancário e, acima de tudo, uma reeducação institucional sobre o que é independência financeira.
Educar é confrontar. Libertar é desconstruir ilusões. Um país endividado não é apenas um país economicamente frágil — é um país politicamente manipulável, moralmente vulnerável e socialmente fragmentado.
O primeiro passo para resgatar o Brasil é parar de fingir que estamos no rumo certo. O segundo é encarar o endividamento não como exceção, mas como sintoma de um sistema que precisa ser desmantelado — por quem ainda pensa.