A inteligência artificial não é apenas a próxima engrenagem da produtividade—ela pode ser o ponto de inflexão entre uma era mecanicista e um novo renascimento do pensamento profundo e significativo.
Estamos obcecados pela eficiência. Da educação à gestão empresarial, tudo tem sido reduzido a indicadores de desempenho, KPIs e “soluções de produtividade”. Nesse frenesi, esquecemos de perguntar: produtividade para quê? E mais importante: valor segundo quem?
A entrada triunfal da inteligência artificial generativa no palco da história—personificada nos grandes modelos de linguagem como o ChatGPT—tem sido narrada com metáforas operacionais: assistente, chatbot, secretário, cozinheiro de prompts. Reduzimos uma tecnologia potencialmente revolucionária a um servo de tarefas. É como usar um telescópio para pregar um quadro na parede.
Mas e se estivermos olhando pelo lado errado da lente?
O colapso silencioso do valor
Na pressa de “ensinar para o mercado”, o sistema educacional abdicou da filosofia, da ética, da arte da pergunta. Formamos solucionadores de problemas, mas não questionadores de paradigmas. Substituímos o amor pela sabedoria (filosofia) pela idolatria da performance. E nesse processo, a crise deixou de ser apenas econômica ou política: ela se tornou uma crise de valor.
É aqui que a IA generativa surge não como vilã, mas como provocadora.
Muito além da produtividade
Sim, a IA pode automatizar tarefas, redigir relatórios, corrigir textos e revisar contratos. Mas esse é o rodapé da revolução. O verdadeiro impacto está na maneira como ela pode libertar o humano da repetição e da superfície. Ao delegar o operacional, abrimos espaço para o essencial: o pensamento criativo, a investigação filosófica, a contemplação crítica.
É possível que estejamos diante da tecnologia mais humanizadora já criada—ironicamente, por ela não ser humana.
Como argumenta Ilia Delio em Re-Enchanting the Earth, a IA pode nos reconectar ao sagrado, devolvendo à tecnologia um sentido de transcendência. Erik Davis, em TechGnosis, vai além: a tecnologia pode ser o novo altar da experiência mística. E James Bridle, com seu provocador New Dark Age, nos lembra que a complexidade algorítmica nos força a abandonar o mito do controle absoluto, e voltar a uma relação mais reflexiva com o conhecimento.
A IA como provocadora de sentido
A pergunta não é “o que a IA pode fazer?”, mas sim “como ela pode nos transformar?”. E essa transformação começa pela linguagem. Quando a IA se torna interlocutora de ideias e não apenas tradutora de tarefas, ela vira um espelho filosófico. Interagimos com ela, mas o que ela nos devolve é o reflexo da nossa pobreza intelectual ou da nossa profundidade.
Estamos prontos para essa conversa?
Para educadores e gestores: um alerta e um convite
Como educador, empresário e intermediador de ativos tangíveis e intangíveis, observo com preocupação o reducionismo atual. A IA, ao contrário do que temem os apocalípticos, não é a destruição da educação, mas a sua chance de redenção. Ela pode livrar o professor do cansaço técnico para reconectar a sala de aula à sua verdadeira vocação: formar pensadores, não apenas executores.
Do ponto de vista corporativo, o mesmo se aplica: empresas que enxergarem a IA apenas como um multiplicador de tarefas perderão a chance de transformar cultura, propósito e estratégia. A questão central é: vamos usar a IA para continuar cavando mais rápido… ou para finalmente mudar de direção?
Ponto de Vista: a IA como farol, não como atalho
A inteligência artificial generativa pode ser o arado que remexe o solo duro do pensamento superficial. Pode ser o farol que ilumina não apenas o próximo passo, mas o horizonte do sentido. Se a usarmos apenas como ferramenta, perderemos a chance de nos reinventar como espécie pensante.
Mas se permitirmos que ela nos provoque, nos questione e nos inspire, então talvez a maior revolução não esteja na tecnologia em si—mas em como ela nos ajuda a lembrar quem fomos feitos para ser.
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