domingo, dezembro 10, 2023
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A facada, a palmada e o saleiro. Ou: O Estado obeso e o País de Tolos

Por Marcus Pimenta

Nas últimas semanas, assistimos com perplexidade as manchetes sobre os crimes praticados com facas no RJ acumularem-se na mídia nacional. Foi também com perplexidade (ou deveria ter sido) que fomos surpreendidos pela notícia de que a ALERJ havia aprovado a proibição do porte de armas brancas, o que pode ser classificado, no mínimo como uma excentricidade legislativa de contornos totalitários.

O que precisamos pensar é que é urgente a busca pela celeridade e eficiência na produção legislativa em todo o país, contudo, situações extremas não podem e não devem ser tratadas com medidas extremas, pois, a reflexão e o debate não estão descartados nestes casos. Quando a caneta do legislador entra em cena, o que esperamos é que seja usada com sabedoria e sobriedade.

A produção de políticas públicas, mesmo aquelas feitas com a melhor das intenções (nem sempre são), traz consigo efeitos perversos que, eventualmente, tornam-se superiores aos resultados benéficos esperados inicialmente. Eu, particularmente, vejo com profunda desconfiança, toda política pública que aumente a intervenção estatal na vida dos cidadãos. Tenho sérias razões para pedir menos Estado, sempre.

O projeto de lei aprovado pela Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ) há alguns dias, prevê a proibição do porte de objetos cortantes como facas, canivetes e estiletes com lâmina maior que dez centímetros em todo o estado. Estão previstas multas que vão de R$ 2.4 mil a R$ 24 mil para aqueles que forem pegos portando as famigeradas armas brancas. O autor do projeto, deputado Geraldo Pudim (PR), ainda comenta sobre a distinção, também prevista na lei, entre porte e transporte do objeto, argumentando que o intuito é não permitir que o objeto esteja ao alcance das mãos, como, por exemplo, “uma peixeira na cintura”.

Seria impossível comentar sobre essa lei um tanto exótica, para dizer o mínimo, sem falar no altamente questionável Estatuto do Desarmamento, que levado a cabo pelo ex-presidente Lula, à revelia da vontade popular e sob o argumento embusteiro de diminuir a criminalidade, acabou por desarmar o cidadão de bem, deixando-o sem meios materiais para exercer sua autodefesa.

Permeado por falácias e distorções estatísticas, o Estatuto do Desarmamento é um dos melhores exemplos para justificar a idéia de que os atuais governantes patrocinam a função do “Estado babá” por julgarem que o povo brasileiro é uma criança tola e incapaz de responder por seus próprios atos, desconstruindo assim a dimensão personalíssima de cada indivíduo e tratando a todos como uma só massa disforme que depende integralmente do Estado e não possui vontade própria.

Vejam que interessante: ocorrido no ano de 2005, o referendo sobre a proibição do comércio de armas de fogo, contrariando a todas as pesquisas prévias realizadas pelo governo, cravou um sonoro NÃO como resultado, opção de nada menos que dois terços, ou 63,94%, dos votantes. O que ocorreu em seguida foi que o governo seguiu a diante com seu projeto, IGNORANDO a vontade expressamente manifestada pelo povo e fazendo o que queria desde o início, ou seja, desarmando o cidadão de bem.

O referendo é um instrumento de democracia direta previsto pela constituição. Seu uso é controverso, pois, além de ser oneroso, demonstra dificuldades no debate parlamentar acerca de um determinado tema, em outras palavras, quando a democracia representativa mostra-se insuficiente, chama-se o povo de volta às urnas numa consulta que paute a decisão de seus representantes. É válido, desde que usado com muita cautela. Uma vez convocado, sobretudo, deve ser respeitado, o que não foi o caso da experiência de 2005, quando foi utilizado apenas com o intuito de legitimar uma decisão já tomada muito antes, pelo poder executivo. Se o SIM tivesse obtido ampla maioria dos votos, como mostravam as pesquisas, diriam que tudo foi feito de acordo com a decisão do povo, todavia, como o resultado da consulta foi contrário aos interesses que a convocaram, este foi apenas ignorado.

O discurso desarmamentista de que proibir armas de fogo inibe ou coíbe os crimes com elas cometidos parte de três pressupostos absurdos:

  1. Armas, e não pessoas, cometem crimes;
  2. Bandidos respeitam leis e só utilizam armas adquiridas legalmente;
  3. Cidadãos de bem portando armas legais são criminosos em potencial.

Como dito anteriormente, são pressupostos absurdos, pois, na verdade a única coisa que muda com o Estatuto do Desarmamento é que antes, cidadãos e bandidos podiam andar armados e agora, só os bandidos o fazem. Assalto, estupro e homicídio também são proibidos e nem por isso deixaram de existir. Num país com quase 60 mil homicídios por ano, é preciso que prevaleça o direito à legítima defesa. É preciso que haja uma autocrítica por parte do Estado sobre a sua própria incapacidade em garantir a segurança dos cidadãos.

Cientes disso, que invistam corretamente em segurança pública, valorizando e equipando as polícias. Que entendam, de uma vez por todas, que o cidadão de bem não é o responsável pelo avanço da violência no Brasil, ao contrário, o que aumenta a violência são as armas ilegais nas mãos dos bandidos. Está mais que provado que países onde houve a proibição da venda de armas, houve também aumento da criminalidade. O oposto também é verdadeiro.

Analogias tacanhas e ao mesmo tempo fatalmente verdadeiras podem ser feitas com o desarmamento civil em nome do combate à violência. É como proibir o uso de automóveis para reduzir o índice de acidentes de trânsito ou ainda, proibir o sexo sem camisinha para reduzir a epidemia de AIDS.

As iniciativas de desarmamento civil são características de um Estado interventor, onipresente e obeso, que leva a sua ingerência sobre a vida privada dos cidadãos ao ponto de dizer como os pais devem educar os seus filhos, onde uma mãe não pode usar com os filhos uma “palmada pedagógica” para impor-lhe limites, mas a professora marxista da escola pode doutriná-los de acordo com suas próprias ideologias. Igualmente absurda é a lei sancionada no Espírito Santo, proibindo os estabelecimentos de deixar saleiros e saches nas mesas para prevenir o consumo excessivo do alimento. Muitos argumentarão que a hipertensão é um problema de saúde pública, mas eu acredito que se trata apenas de mais um caso onde o Estado perde a noção de seus limites, intervindo demasiadamente na vida dos cidadãos. Determinar como as pessoas temperam a própria comida jamais poderia ser papel do Estado.

Nada contra a existência de ostensivas campanhas de conscientização que apontem os malefícios do uso indiscriminado do sal, da palmada e de armas brancas ou de fogo. Mas cabe somente ao cidadão a decisão final sobre o que é bom para si e para os seus. Não ao Estado. É inadmissível desconstruir a capacidade do indivíduo de pensar, tomar decisões e responsabilizar-se por elas, tratando a todos como um só coletivo amorfo e destituído de vontade própria e personalidade. Ao contrário do que parece querer o governo, o Brasil não pode ser tratado como um País de Tolos.

 

Marcus Pimenta
Administrador de Empresas, MBA em Gestão Empresarial, Consultor e Coach Executivo com viés em carreiras, gestão de pessoas, desenvolvimento de líderes e de equipes sinérgicas. Articulista e palestrante​.
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