Da colônia ao Estado cleptocrático, o que realmente celebramos no 7 de setembro?
A cena é conhecida: às margens do Ipiranga, um jovem príncipe levanta sua espada e grita pela liberdade. Era o começo de uma nova era. Mas, dois séculos depois, quem realmente se libertou? Em 1822, o Brasil rompeu com Portugal, mas essa independência foi menos sobre o povo e mais sobre manter os privilégios da elite. Se antes a Coroa portuguesa cobrava o “Quinto” — 20% de tudo o que o Brasil produzia — hoje, é o próprio Estado que abocanha quase dois quintos, e, assim como naquela época, a maior parte dessa riqueza vai parar nas mãos de poucos.
A ilusão da liberdade
O Brasil nasceu como uma nação sob o controle de uma elite política e econômica. Dom Pedro I proclamou a independência, mas rapidamente a nova classe dirigente tratou de manter as estruturas de poder intactas. O poder concentrado nas mãos de latifundiários e comerciantes da época não só se preservou, mas se adaptou. O império deu lugar à república, mas as dinâmicas de exploração permanecem as mesmas. O que mudou? Se antes devíamos fidelidade ao rei português, agora nos curvamos diante de uma máquina burocrática que consome nosso suor e entrega pouco em troca.
Hoje, o 7 de setembro é palco de desfiles cívico-militares e discursos inflamados que exaltam a “grandeza da nação”. No entanto, para muitos, a verdadeira independência nunca chegou. As ruas enchem-se de manifestações como o Grito dos Excluídos, um movimento que denuncia a miséria, a fome e a falta de direitos básicos que ainda afligem milhões de brasileiros.
Quem se apropria do Estado?
Se antes reclamávamos do quinto, o imposto colonial, hoje assistimos a uma nova forma de exploração. Quase 40% de tudo o que produzimos vai para o Estado, que por sua vez, redistribui essa riqueza de forma injusta. Nos últimos anos, vimos uma sucessão de escândalos de corrupção que desviaram bilhões dos cofres públicos. O mensalão, o petrolão, e, mais recentemente, o orçamento secreto, são exemplos gritantes de como o Estado brasileiro foi capturado por uma elite política que se serve da máquina pública para interesses próprios.
E quem paga a conta? Os trabalhadores. Aquele que levanta às 5 da manhã para pegar um transporte público sucateado e recebe um salário insuficiente para cobrir as despesas básicas. Para ele, o 7 de setembro não é uma celebração. É uma lembrança amarga de que a promessa de liberdade e igualdade ainda está distante.
O que o Brasil precisa comemorar?
É justo, no entanto, reconhecer que o Brasil avançou. Temos uma Constituição que garante direitos fundamentais, instituições que, apesar de fragilizadas, ainda funcionam em favor da democracia. O país se tornou referência em setores como agricultura, biotecnologia e cultura. Mas esses avanços não podem ofuscar o fato de que boa parte da população vive em condições de miséria e que a concentração de renda continua a ser uma das mais altas do mundo.
O Brasil do século XXI ainda é uma nação profundamente desigual, onde poucos usufruem das riquezas enquanto a maioria luta para sobreviver. E enquanto o Estado seguir sendo apropriado por uma minoria que perpetua privilégios e poder, o grito da independência nunca será completamente ouvido. A pergunta que devemos fazer neste 7 de setembro não é o que já conquistamos, mas o que ainda nos falta conquistar.
O grito que ecoa
Do Ipiranga ao presente, o grito por liberdade nunca foi tão necessário. Precisamos rever o significado da nossa independência e entender que o verdadeiro Brasil livre só será possível quando a justiça social prevalecer sobre o privilégio, e o interesse público vencer o privado. Se o Estado segue capturado por elites, ainda estamos longe da verdadeira independência que deveríamos celebrar.
Neste 7 de setembro, mais do que desfiles, o Brasil precisa de uma reflexão profunda sobre quem somos e para onde vamos. Afinal, a luta pela independência continua, e não é nas margens de um riacho que ela será vencida.